O futuro não é mais restrito a um período longo, que deve ter como referência meses ou anos. Hoje, em plena Era do Conhecimento, onde as informações são disseminadas em uma velocidade cada vez mais rápida, há pessoas que são ávidas não apenas pela busca do desenvolvimento e sim como aplicá-lo. Tornou-se insuficiente, inclusive para as empresas contar com profissionais que detenham um volume significativo de títulos, de cursos. As organizações esperam que esses talentos saibam como disseminar e aplicar aquilo que se foi adquirido e incorporado por suas mentes. Para Eduardo Carmello, consultor organizacional e diretor da Entheusiasmos Consultoria em Talentos Humanos, em breve, educadores e gestões precisarão criar ambientes em que os aprendizes tenham espaço para serem originais e tenham um alto nível de satisfação pessoal.
"Mais do que transmitir conteúdos ou construir avaliações, educadores e gestores precisam ajudar os aprendizes a desenvolver seus talentos e saber empreender, pois estas serão atividades educacionais fundamentais para que os mesmos saibam agir e criar a sustentabilidade de suas organizações", alerta Carmello. Em entrevista concedida ao RH.com.br, ele explica como as empresas e os gestores podem criar ambientes propícios para os chamados Talentos do Futuro. Se você é educador, líder ou simplesmente deseja adquirir conhecimento e utilizá-lo no dia a dia, essa entrevista o fará refletir sobre o assunto. Boa leitura!
RH.com.br - O senhor afirma que no futuro próximo educadores e gestores criarão espaços em que os aprendizes tenham espaço para serem originais e se tenham alto nível de satisfação pessoal. O que caracteriza esse ambiente que o senhor visualiza?
Eduardo Carmello - Esse ambiente é caracterizado pelo intenso compartilhamento de informações e conhecimentos, onde os aprendizes possam expressar ideias e construir inovações. Que consigam aprender rápida e consistemente um conjunto de procedimentos que o levem a criar soluções e inovações para os objetivos que se propuseram a cumprir. Mais do que transmitir conteúdos ou construir avaliações, educadores e gestores precisam ajudar os aprendizes a desenvolver seus talentos e saber empreender, pois estas serão atividades educacionais fundamentais para que os mesmos saibam agir e criar a sustentabilidade de suas organizações. Por exemplo, o professor Ikujiro Nonaka, considerado um dos fundadores da Gestão do Conhecimento, implementou o conceito "Ba" como um grande diferencial na Criação do Conhecimento nas Organizações. "Ba" pode ser traduzido como um contexto compartilhado ou contexto capacitante. Esse ambiente estimula, favorece e incentiva os comportamentos "criadores" de conhecimento relevante para o talento e para a empresa. A construção de ambientes capacitantes é tão importante quanto a Comunicação da Estratégia e as ferramentas da Gestão do Conhecimento.
RH - Quem são os Aprendizes do Futuro tão mencionados pelo senhor?
Eduardo Carmello - Deixe-me explicar o que eu chamo de Aprendizes do Futuro. Primeiro são crianças, adolescentes e adultos que se sentem incomodados, angustiados e frustrados por receber um conjunto muito grande de informações irrelevantes, desinteressantes, que não acrescentam em nada na conquista de seus objetivos ou nos desafios reais que a vida lhes proporciona. Os Aprendizes do Futuro "crianças", que ainda não têm capacidade de argumentação convincente, se expressam com irritação, incômodo ou desafeto com a escola, os professores, os pais e muitas vezes, com a vida. Temos ainda os Aprendizes do Futuro - "adolescentes e adultos" que estão se virando melhor: acabam por criar, sozinhos ou em grupos, estratégias de aprendizagem bastante eficazes que garantam adquirir, incorporar e manifestar conhecimentos relevantes, mantendo-os atualizados e melhor preparados para lidar com as exigências da vida, agora e no futuro. Os Aprendizes do Futuro compreendem que aprender é modificar-se. Os desafios reais da vida oferecem grandes oportunidades, para que eles se desenvolvam e aprendam a transformar conhecimento em riqueza econômica e social. Perceberam sozinhos que isso não se faz somente com saber declaratório - aquisição e memorização de dados, eventos e fatos. Acontece com saber procedural - aquisição de habilidades motoras, sensitivas e intelectuais que o levem a agir eficaz e corretamente.
RH - O número de organizações que já criaram esses espaços diferenciados para seus aprendizes/colaboradores é significativo?
Eduardo Carmello - Podemos dizer que sim, principalmente nas empresas mais maduras e verdadeiramente focadas na construção de inovação como real diferencial competitivo. Exemplos bem consistentes são o Google, Grupo Algar, entre outros. Porém, o que se vê mais comumente são departamentos específicos, ilhas de excelência. O ideal é o que o "Ba" seja imprimido na cultura da organização.
RH - O que falta para que ocorra uma mudança mais expressiva?
Eduardo Carmello - O que falta para que ocorra uma mudança mais expressiva é que a aprendizagem permeie todos os níveis da organização, para que haja o domínio do conhecimento relevante, eliminando a discrepância entre "o que se diz que sabe" e o que "realmente se entrega" para os clientes. Em geral, as empresas preocupam-se muito com a disseminação do conhecimento já existente, deixando de lado a própria criação e a incorporação do conhecimento, para que a estratégia seja bem executada e constantemente renovada. A função limitada de transmissão de conhecimento que algumas organizações se propõem é altamente questionável para o futuro. Hoje partimos do princípio de que para ser mais inteligente é preciso "saber mais". É preciso ter mais informação, mais escola, mais professor e mais conteúdo. Apóiam-se na crença ultrapassada de que "mais é melhor". A escola e as empresas estão construindo um caminho duvidoso para o seu futuro, ao escolher oferecer mais conteúdo, em vez de melhor processamento das informações.
RH - Quais as peculiaridades da disseminação do conhecimento para os Aprendizes do Futuro?
Eduardo Carmello - Hoje, muitas escolas, professores e programas de treinamento nas organizações passam a ser desinteressantes, pois utilizam 70% do seu tempo trabalhando com conteúdos que não têm relevância alguma para o aumento de recursos do aprendiz. Tal conteúdo não o ajuda a lidar de maneira efetiva com os problemas e desejos de sua realidade. Não me esqueço do dia em que fui convidado a palestrar para uma das empresas mais admiradas do país, que comemorava um ano da sua Universidade Corporativa. Depois que expliquei sobre a importância da criação e incorporação do conhecimento relevante, um profissional que havia feito um curso de liderança pela empresa disse: "Não compreendo porque 80% do conteúdo de meu curso não utilizo no meu dia a dia. Os conhecimentos mais importantes eu não consigo obter de maneira objetiva e concreta". Os Aprendizes do Futuro não estão utilizando essa abordagem conteudista e sim procedural. Querem saber "como" exatamente podem realizar algo. Ainda é muito frequente nas organizações treinamentos cujos conteúdos são criados a partir do que o modelo de competência ou o instrutor acredita ser importante, não exatamente no que o aprendiz realmente precisa para "ganhar a sua vida", e muito menos no que a vida exige em termos de conhecimento nos próximos dez anos. Essa dissonância acontece cada vez mais, pois os Aprendizes do Futuro preferem o aprendizado que lhes ajude a fazer algo melhor do que a informação que lhe faz parecer mais inteligente.
RH - Quais os pontos que o senhor considera frágeis nos processos de aprendizagem organizacional?
Eduardo Carmello - Primeiro: foco no conteúdo e não no desempenho. É muito comum o aprendiz passar por um seminário de 8,16 ou 24 horas sobre liderança, recebendo conteúdos, conceitos e atividades que não necessariamente o ajudarão a ter uma performance melhor no seu dia a dia. Dave Ulrich, um dos maiores influenciadores da Gestão de RH demonstra essa dificuldade: "Nos últimos 20 anos venho defendendo que os profissionais de RH assumam papeis estratégicos nas empresas, mas eles sabotam esse esforço ao investir mais em atividades do que em resultados". O próprio Peter Senge nos demonstrou que apenas 5 a 10% dos conteúdos brilhantes que adquirimos nos seminários são colocados em prática e se transformam em resultados valiosos.
Segundo: foco maior na disseminação e pouco estímulo para a criação ou incorporação do conhecimento. Grande parte do Conhecimento Estratégico é perdido, pois mesmo com as ferramentas e os canais de disseminação do conhecimento, não há plano de ação nem acompanhamento desses aprendizes, a fim de que eles consigam aprender, aplicar e gerar resultados de performance superior ao que manifestavam anteriormente. Há uma grande energia gasta em disseminação e pouquíssima em fazer incorporar os conhecimentos relevantes no dia a dia da organização. Terceiro: os instrutores jogam damas e não xadrez. É frequente a observação de que um conjunto de conteúdo é desenvolvido para todos, de forma igual, semelhante ao jogo de damas, onde todas as peças são iguais. Não há distinção entre quem sabe menos ou mais. De quem tem baixa ou alta perfomance. De quem já sabe ou não sabe aquele conteúdo. De quem realmente precisa ou não daquela quantidade de informação. A personalização, a singularidade, o conhecimento prévio dos conhecimentos e do nível de performance é fundamental para a construção de uma capacitação estratégica de alta qualidade.
RH - Que recursos podem auxiliar o desenvolvimento dos Aprendizes do Futuro?
Eduardo Carmello - Costumo dizer que os Aprendizes do Futuro desenvolvem suas próprias estratégicas de aprendizagem. Com o conhecimento apropriado e disposição, a liderança e os educadores corporativos podem ajudá-los a maximizar o processo de aprendizagem e desempenho:
- Busque construir estratégias para que o aprendiz consiga se apropriar, não de informação, mas de conhecimentos que o ajudem a ganhar domínio das atividades e tarefas necessárias para a realização de seus objetivos mais concretos e relevantes.
- Para Aprendizes do Futuro, não é a informação propriamente dita, mas o apoio emocional e procedural que gera o domínio dos processos e das atividades necessárias para se cumprir objetivos por ele mesmo desenhado. Ele não está esperando por um professor, que professa, mas por um agente de processos que tem clareza dos resultados e processos envolvidos. Que sabe diagnosticar os objetivos e o nível de aprendizagem que a pessoa encontra-se. Que sabe acompanhar e subsidiar, localizando competências e tarefas no processo, indicando conquistas e desafios.
- Ajude o aprendiz a conhecer melhor como ele se comporta diante da realidade. Ele tem chances de aprender melhor "fazendo" o que precisa ser feito. Ajude-o a compreender como as coisas funcionam, como decifrar processos. Demonstre casos e experiências reais do que precisa ser aprendido.
- Incentive-o a obter contato com ambientes de alta performance onde possa "aprender fazendo com os melhores". Dê oportunidade de observar e interagir com profissionais que fazem muito bem o que precisa ser feito.
RH - Nesse processo de mudança no aprendizado, como os gestores acompanharão as inovações e ajudarão a fortalecê-las?
Eduardo Carmello - Gestores que compreendem a importância do conhecimento e da inovação utilizarão sua energia para recrutar, desenvolver e reter seus talentos, com o objetivo de trocar conhecimento e também aprender com eles. Gestores podem, por exemplo, dinamizar ao máximo o conceito de "Ba" proposto pelo professor Nonaka e investir na Gestão do Conhecimento, oferecendo plenas condições para que os talentos possam criar, interagir e compartilhar conhecimento. Ao produzir contextos capacitantes, permitem que os talentos alcancem seu objetivos estratégicos e promovam o valor da marca, tornando a empresa mais competitiva e desejável.
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