POR UMA HUMANA ARQUITETURA
Paulo Botelho
Arranjar trabalho depois dos 40 anos de idade tornou-se algo angustiante para quase todos os níveis de profissionalização.
Aos 56 anos, um colega meu da Universidade, está sentindo na própria pele - e no bolso - a dimensão desse preconceito que afeta o cotidiano das pessoas. Doutor em Administração, com efetiva e bem-sucedida passagem por empresas de porte, foi avisado que o seu contrato não será renovado para o próximo ano letivo. O comentário "à boca pequena" na sala dos professores é que a coordenação pretende fazer uma "depuração inovadora por faixa de idade". - E pensar que Peter Drucker e Oscar Niemeyer continuam com tanto serviço aos 96 anos; ambos caminham lentamente como que perdoando o tempo que se perde com tolices do tipo "depuração inovadora por faixa de idade", entre tantas outras que grassam neste país surrealista!
Mais do que qualquer outro pensador, Peter Drucker criou o conceito de administração como uma disciplina intelectual e prática. Ele percorreu pelo menos quatro universos: ensino acadêmico, jornalismo, consultoria e história sócioeconômica. A riqueza de sua experiência produziu uma mistura única de rigor intelectual.
A maioria das idéias de economia e administração que atualmente influenciam teóricos e executivos remete ao trabalho de Drucker e ainda é inspirado por ele. Entre tais idéias estão os principais métodos que permitem que as empresas e os executivos tornem-se mais eficazes, especialmente o conceito de Administração por Objetivos. Sua dedicação em sempre buscar a inovação é em si um exemplo de pensador inovador. Há pouco tempo ele escreveu um artigo na Harvard Business Review em que diz: "o conhecimento é o único recurso econômico que faz sentido". Nada mais correto e completo!
Um professor com a formação desse meu colega não pode ser tratado como um material obsoleto. Uma escola dessas de "boleto bancário" não tem futuro nesse competitivo - e voraz - mercado de estabelecimentos de ensino superior!
O ponto mais forte de Peter Drucker é a habilidade de interpretar o presente, de perceber, antes de qualquer um, o que realmente está acontecendo na sociedade, na economia, nas escolas e nas empresas. Ele vai direto ao ponto.
Oscar Niemeyer, desde o início de sua extensa carreira, quando se desvinculou da tutela de seu mestre Le Corbusier, elegeu a curva como ponto central de seu trabalho, incluindo-a em todos os seus projetos. Comunista por devoção, assim como Portinari, nunca se tornou um ativista político, situando sua crença no terreno da mais pura retórica. Não há administrador público que não queira ter seu nome associado ao dele. Jânio Quadros, quando prefeito de São Paulo, encomendou um projeto que desviava a marginal do Rio Tietê e desapropriava metade de um bairro para construir um parque ecológico. O projeto saiu, mas a falta de determinação não deixou que se transformasse em realidade.
Na catedral de Brasília Niemeyer evitou as soluções usuais das catedrais escuras que lembram a culpa, o pecado. Mas, ao contrário, ele fez escura a galeria de acesso à nave, toda colorida, iluminada, voltada com seus belos vitrais transparentes para os espaços infinitos. São dezesseis colunas curvas, idênticas e organizadas em círculo. Elas se elevam para se encontrar como que num gesto de súplica. Eis aí o saber, a criatividade, o conhecimento aplicado em sua essência. E Niemeyer, quando projetou a catedral em 1972, já tinha 65 anos, isto é : "em rota perigosa de depuração inovadora por faixa de idade"; principalmente se levarmos em conta que o presidente não era o Juscelino Kubitschek, mas um imbecil completo chamado Garrastazu Médici!
Niemeyer e Drucker nos ensinam a sonhar, mesmo quando lidamos com matéria dura: o preconceito, a incompetência, o desemprego, a injustiça, o ferro, o cimento, a fome, da humana arquitetura!
* Paulo Augusto de Podestá Botelho é Professor e Consultor de Empresas para Programas de Engenharia da Qualidade, Antropologia Empresarial e Gestão Ambiental. www.paulobotelho.com.br
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